Atualmente eu, Sandra Mara Pereira dos Santos, desenvolvo pesquisa de pós-doutorado junto ao programa de pós-graduação em ciências sociais, da Universidade Estadual de Maringá. Uma pesquisa que me permitiu desenvolver o artigo: “Interseccionalidade de gênero, classe e cor/raça: conjugalidades inter-raciais e entre homens e mulheres negras do rap brasileiro.”
Ele apresenta uma análise interseccional centrada principalmente nas categorias sociais de cor/raça, classe e gênero, com foco nas mulheres negras brasileiras, em especial as do gênero musical do rap brasileiro. O rap[1] é o gênero musical de uma cultura urbana que denomino de reflexiva, educativa e com importantes aspectos de resistência política, que é o Hip-Hop. Existe no rap desde a década de 1980 narrativas contra o racismo, a violência urbana e a desigualdade social.
Minha análise nesse artigo é realizada dentro da perspectiva política e teórica da interseccionalidade do feminismo negro, e a intersecção é pensada a partir das conjugalidades que as cantoras de rap negras apresentam em suas canções e demais relatos, bem como sobre as descrições do seu público masculino e feminino acerca da afetividade/conjugal na cena do rap. Pensei os enfrentamentos sociais no âmbito das relações de gênero, da classe social das mulheres no rap brasileiro, e, ainda, destaquei que a categoria cor/raça diferencia as pessoas deste setor feminino, e que tal aspecto revela as particularidades sociais das pessoas negras do gênero feminino e de classe social baixa.
A fim de problematizar esta diferença étnico-racial e sua intersecção com classe e gênero, refleti acerca das razões sociais pelas quais as ouvintes e/ou as cantoras apresentam em suas músicas e demais relatos “queixas” a respeito de sujeitos do gênero masculino das periferias, que expressam nas canções, performances no palco e em veículos de comunicação, uma admiração pela beleza, “garra” e intelectualidade das mulheres negras mas, ainda assim, no cotidiano frequentemente estabelecem relações conjugais que se pretendem duradouras com mulheres do fenótipo branco. Desta forma, o que ocorre com este grupo feminino na esfera da afetividade/conjugal pode revelar tensões, ambiguidades e contradições vividas pelas mulheres negras e que estão presentes nas relações sociais e estruturas brasileiras.
Este artigo ainda traz aspectos do trabalho artístico da cantora de rap e negra “Preta Rara”. Analisei o modo como tal cantora se apropria de sentidos negativos de negritudes femininas e que foram desenvolvidos pelo colonizador europeu e machista, e os modifica na medida em que cria seus próprios significados de como existir como mulher negra.
Sendo assim, há nesta atuação da Preta Rara uma forma de “agência” e resistência cultural negra e feminina. Essa modificação de significados de traços fenotípicos com sentidos pejorativos de negritude é uma prática política de enfrentamento do racismo muito comum e eficaz entre pessoas do rap, da música negra e também dos movimentos negros. Entretanto, destaquei a forma como Preta Rara acrescenta à essa estratégia identitária de contradiscurso ao racismo a dimensão do gênero feminino, do corpo negro e da estética negra feminina. Assim, ela elabora não apenas um contradiscurso ao racismo, mas também ao machismo, e contribui para inserir as mulheres negras como protagonistas e agentes no debate político e artístico.
[1] O termo Rap é composto pelas iniciais rhythm and poetry (ritmo e poesia), tipo de música falada e rimada com tradição da oralidade de povos africanos, que foram obrigados a trabalharem como escravos nas Américas.
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